A PISCINA

                                            

Tive a sorte de assistir, ontem, ao filme Que horas ela volta? na TV.

Nos primeiros momentos, confesso, senti um grande mal estar. Por pouco não consigo assisti-lo todo.

O mal estar veio por conta das memórias que foram surgindo, do tempo em que minha mãe era empregada doméstica, assim como muitas de suas amigas eram e ainda é hoje. Das cenas que somente tempos depois fui entender. Das diversas vezes que vi cidadãs sendo tratadas como pessoas de segunda classe.

A cena da piscina, bem, essa aconteceu comigo, porém, o empregado era meu pai. Estávamos num sábado quente, na bela casa do patrão. Quando vejo, uma bela piscina. Fiquei brincando horas e horas com os filhos do patrão e piscina ali. Quando, de repente, tenho que pegar a bola que caíra justamente na piscina. Eis que caio deliciosamente nas águas mais refrescantes na minha vida.

Não deu outra, liberaram a piscina para a brincadeira. Eu amei.
Na saída, num momento que me arrependo até hoje (apesar de ter meus 7 anos), foi quando disse em voz baixa (que todos escutaram): "Queria morar aqui".

Acho que meu pai ficou triste em escutar isso. 

Com certeza, hoje, não trocaria nada pela vida que levei na infância.

Anos depois, meu pai foi mandado embora da empresa. Nem sei se tem a piscina ainda.

O quem me lembro dessas cenas, onde me liguei afetivamente com as cenas do filme, está no fato dessas relações sempre esconderem uma violência simbólica, culturalmente aceita na sociedade brasileira.

Costumo falar para meus amigos que falar de pobreza em sala de aula é muito difícil, pois, a ilusão do consumismo esconde todas essas questões. O filho da empregada doméstica hoje tem Iphone, comprado em diversas vezes pela mãe. Então, ilusoriamente, não há pobreza. 

Outro fato que me chamou muito a atenção, foi a forma como a Universidade de São Paulo, a famosa USP, aparece no filme. Um espaço de segregação, de status, onde, somente uma minoria tem acesso, pois, as barreiras à sua volta impedem que filhos de empregadas o acessem. A meritocracia brasileira é desleal. Mesmo com pilhas de diploma da USP, nunca me senti parte e nunca me sentirei parte dessa instituição. Sempre serei um corpo estranho que insiste em estar lá.

E, por que insisto?

Por pura teimosia, pois percebo que há uma atitude revolucionária nisso, quando falo, por exemplo, que sou da zona leste, que sou professor de escola pública, que me formei em faculdade particular (uma Uni qualquer). Percebo que só faltam me perguntar: "Então, o que faz aqui?". Mas, não, apenas dizem: "Que legal..." (que no fundo equivale à pergunta).

Enfim, tudo que escrevi são delírios que surgiram enquanto estava assistindo ao filme. Infelizmente, não sou o único filho de uma ex empregada doméstica a ter essas memórias, mas espero que eu seja um dos últimos.

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