CAN YOU DRIVE MY CAR?


Ir ao mecânico é simplesmente uma experiência dolorosa, isso responde os porquês da minha demora em levar meu carro ao mecânico, mesmo quando se trata de algo muito simples.

Hoje tive que ir, graças a insistência de um amigo. Chegando lá, pude constatar um dos vários fatores que levam os sujeitos comuns ao afastamento da vida pública e política. O carro.

Ao perceber o carro suspenso no guindaste (chamarei assim o aparelho que não sei o nome), percebi a complexidade de um veículo em todos seus componentes. Quase um ser vivo de ferro, plástico, fluídos, engrenagens, fios, sistemas elétricos e mecânicos, enfim, um emaranhado de coisas que para se entender precisa tempo, disposição e interesse.

Toda vez que levo meu carro ao mecânico recebo uma aula involuntária. Para variar, não consigo esboçar nenhum sentimento de apreço, apenas penso se vai demorar e quanto irá custar.

Mas, percebo que meu amigo é diferente, assim como os diversos caras que conheço e que possuem carros. Acompanham passo a passo cada movimento do mecânico, perguntam para que serve e para que não serve tal peça, escutam histórias de outros veículos, comparam, analisam, discutem, discordam, exaltam.

E não para por aí!
Tem ainda as discussões sobre modelos, marcas, multas, códigos de trânsito, regras, lançamentos, taxas e impostos. Sem falar na lavagem do carro aos fins de semana, no mínimo umas três horas. Já conheci pessoas que levavam uma manhã inteira, até mesmo um dia inteiro, desmontando peças e tratando-as da maneira mais cuidadosa.

Tudo isso necessita de muito espaço dentro do cérebro. Significa, descartar outros temas e assuntos, deixar de lado outras atividades. Fazer uma seleção.

Então, percebi que há uma relação de alienação necessária para se relacionar com todo esse universo, ou seja, temos que nos entregar ao carro, retirando de nós a capacidade de pensar em outros assuntos. Por isso, pensei, alguns sujeitos abastados preferem a facilidade, que o dinheiro proporciona, de trocar de carro todos os anos. Assim, ficam livres de muita coisa que poderia aliená-los. Mas, o sujeito comum, que possui um carro e que não pode trocá-lo, entrega-se a esse universo espetacular.

Nós, uma massa corporal de em média 100 quilos, dedicamos a nossa vida a um veículo de mais ou menos uma tonelada. O que é engraçado, pois, pagamos caro para transportar esse veículo pelas ruas da cidade.

No instante em que o carro estava no alto pensei: "O transporte público e até mesmo a bicicleta exigem bem menos de toda essa atividade cerebral".

Mas, vou continuar dirigindo meu carro, escutando as histórias do mecânico, me alienando, mas não por completo, a essa maravilha criada pelo homem.


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