A ESTÉTICA DO ABSURDO EM RICK & MORTY


Um velho de cabelos grisalhos e bagunçados, com um jaleco branco e totalmente bêbado entra no quarto de um adolescente, levando-o pelos pés para sua nave espacial. O diálogo que ocorre no espaço é surreal, envolvendo uma possível destruição da Terra, o rapto de uma adolescente para procriação e a possibilidade dela servir como objeto sexual dos dois únicos sobreviventes.


O primeiro capítulo do desenho Rick & Morty entrega logo de cara a proposta da animação onde, os dois personagens centrais fazem uma clara referência ao Dr. Emmett Brown e Marty McFly, da trilogia De volta para o futuro (1985). Aliás, Rick & Morty é um festival de referências por todos os lados, Jurassic Park, Planeta dos macacos, O Homem de Ferro, Footloose, Titanic, Uma noite de crime, A origem, A ilha do medo, um pouco de Os Simpsons e muita coisa de Quentin Tarantino. Este último é influência determinante nas incontáveis cenas de violência explicita, como no episódio 9 da segunda temporada, onde na noite do expurgo Rick & Morty tem que se defender dos habitantes de um planeta alienígena. Nesse episódio Morty externaliza toda cólera contida e numa armadura de Homem de Ferro, se transforma num assassino frio. Detalhe para a cena onde ele empurra um senhor escada abaixo.

O recurso da animação é sem dúvida um fator essencial, que permite ao seus criadores Justin Roiland e Dan Harmon, abusar de todas as possibilidades. Mundos inimagináveis, realidades paralelas, transformações absurdas, a profanação de imagens e personagens, a acentuação das cores que em vários momentos sugere situações sombria (Tim Burton utiliza bem esses recursos), e principalmente, a possibilidade do politicamente incorreto num mundo da fantasia dos desenhos animados. 

Mas, a o ponto alto da série animada Rick & Morty está nas referências filosóficas presente a todo momento não como proposta para reflexões profundas, mas com uma intenção clara de confundir o telespectador que, em sua maioria, apesar de rir das situações propostas, com certeza não engoliria fácil essas mesmas questões no dia a dia. 

O ATEÍSMO E NIILISMO
"Ninguém existe de propósito, ninguém pertence a nenhum lugar, todos vão morrer." 
Morty

A sentença acima, proferida pelo garoto Morty a sua irmã Summer define bem a característica existencialista do personagem onde, a todo o momento coloca dúvida sobre a existência e o próprio sentido da vida. Inseguro e com poucas habilidades, Morty vê em seu avô Rick a possibilidade de uma vida menos tediosa e distante do fracasso que é a vida de seu pai Jerry. Mas é com Rick que esse questionamento a Deus é evidente, como no episódio Fratura temporal, onde para escapar da morte Rick evoca a divindade e, ao escapar por pura sorte de um mecanismo que passa a funcionar, o personagem não exita em dizer: "Isso, vai se fuder Deus...".

É nítida a influência nietzschiana no personagem, que com um misto de niilismo demonstra uma atitude totalmente cética em relação ao ser humano, aos sentimentos e a própria vida. Isso entrega ao personagem uma característica de auto destruição. Para Rick o amanhã não importa muito, por isso está sempre alcoolizado, se entregando aos prazeres sem nenhum pudor e buscando manter-se distantes de relações e vínculos afetivos. 

Para Rick o "amor é apenas uma reação química", "tradições são idiotas", "casamentos são funerais com bolos", "escola não é um lugar para pessoas inteligentes". Num ritmo alucinante o velho cientista dispara frases como balas, disposto a atingir todos, sem nenhum preocupação. Rick é em alguns momentos a personificação do super homem de Nietzsche, que cria sua própria moral, inclusive numa filosofia expressa ao seu neto, logo no episódio piloto, onde diz:
“Eu sei que essa situação pode ser intimidadora. Você olha ao redor e é tudo assustador e diferente, mas sabe… encará-las, avançar contra elas como um touro - é assim que crescemos como pessoas.”



QUESTÕES FREUDIANAS
As questões sexuais são outro ponto interessante na animação. Todos personagens, exceto Rick, apresentam dificuldades em lidar com determinada situações e a repressão aos instintos fazem dos pais de Morty, Jerry e Beth, personagens mal resolvidos e com um casamento em crise. O próprio filho Rick apresenta esse problema, ao apresentar uma frustração por não ter a atenção da colega de escola Jéssica. 

Em muitos pontos os personagens se envolvem e fantasiam situações onde a liberação dos instintos sexuais os levam a realização, exemplo disso é a relação que o Jerry tem Garry Sonolento, no episódio Parasitas invasores.

A satisfação dos personagens se expressa também pela várias cenas de violência, nelas os personagens liberam todos os impulsos reprimidos como uma válvula de escape. A personalidade de cada um é dúbia e inconstante, adequando-se aos instintos de sobrevivência e justamente quando tentam apresentar-se em situações de normalidade a infelicidade e as inquietações se apresentam. São todos reprimidos de algumas forma.

O QUESTIONAMENTO DA EXISTÊNCIA
Por fim, o recurso das realidades paralelas, das várias versões em planetas diferentes, demonstram que não há sentido na existência, ela é aquilo que queremos ou o que fazemos dela. Assim, Rick & Morty faz um convite para a uma aventura ao desconhecido, rumo a um mundo de percepções e de uma nova moral, sem ressentimentos ou arrependimentos. Tudo no mundo é vago, sem exatidão. Por isso mesmo, sem linha de conduta correta ou errada, apenas existimos por existir. A vida é no planeta é um absurdo que não precisa ser entendido.


Mas, um alerta, existe algo íntimo no personagem Rick não revelado ainda (não assisti a 3ª temporada), que trai sua própria atitude niilista e porra louca. Em vários momentos seu silêncio denúncia um medo, daí, um alerta aos niilista, nitzschianos  de plantão. O que se fala não se prática, o próprio Nietzsche não era nitzschiano, sua filosofia estava muito mais nos planos das ideias do que da prática em si. Rick em diversos momentos se mostra sentimental, preocupado e até mesmo crente, frente a algumas situações.

Isso nos mostra que  apesar da euforia causada pela série Rick & Morty, a realidade não é desenho e não podemos fantasiar a existência. Infelizmente. 

Comentários

  1. Que grande motivaçao pra assistir essa serie tao comentada, incrivel analise

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  2. Que bom saber que eu não sou a única a enxergar a parte filosófica da série. Sempre recomendo ela para as pessoas assistirem e digo: assistam com a mente bem aberta e logo sua cabeça vai explodir com o enredo.

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