INCLASSIFICÁVEIS - ARNALDO ANTUNES E O POVO BRASILEIRO

Obra "Operários" de Tarsila do Amaral (1933)
Falar do povo brasileiro é tarefa árdua, inclusive para nós brasileiros, onde a diversidade que se estabelece nos mais diferentes níveis, nos dá a sensação de vivermos em um país sem uma unidade.

Essas diferenças são encontradas na geografia de um país continental, onde os climas do sul e norte em nada se assemelham. A encontramos nos hábitos alimentares, no sotaque, no comportamento, nas regras e no costumes em geral.

Dizer que o brasileiro é um povo alegre e feliz  não satisfaz uma dúvida que é muito mais ampla: Afinal, o que é ou quem é o brasileiro?

Nas escolas, a fórmula mais colocada é que o brasileiro se dá pela mistura do índio, com o branco e o negro. Mas, mesmo essa ligeira explicação esbarra na descoberta que não há uma unidade desses elementos, uma vez que ao falar do índio, por exemplo, descartamos a miríade de agrupamentos indígenas, cada um deles apresentando suas características específicas. Isso ocorre como negro, vindo das várias regiões do continente africano. E os europeus, que não se limitavam apenas aos portugueses.

Um músico que conseguiu sintetizar essas misturas, com uma letra bem inventiva, criativa e muito bem elaborada, foi Arnaldo Antunes, que em 1996 lançou o álbum "O silêncio", nele a faixa Inclassificáveis se destaca inclusive pela excelente parceira com o músico Chico Science.


Em tom provocativo, Arnaldo inicia questionando a simploriedade em enxergar a apenas a tríade já mencionada acima, do índio, branco e do negro:
que preto, que branco, que índio o quê?
que branco, que índio, que preto o quê?

que índio, que preto, que branco o quê?

Para logo em seguida, iniciar um trava línguas onde as misturas ocorrem nas expressões, mostrando que o brasileiro é feito de cafuzos, mamelucos, mulatos, caboclos, árabes, nisseis, yorubás, tupinambás, italianos, orientais, ciganos, americanos...


aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos mamelucos sararás

crilouros guaranisseis e judárabes


orientupis orientupis
ameriquítalos luso nipo caboclos
orientupis orientupis
iberibárbaros indo ciganagôs


Junto com Chico Science conclama que é impossível construir uma diversidade sozinho, em outras palavras "não há sol a sós". Somos isso de fato, inclassificáveis.


O trabalho de Arnaldo Antunes vai de encontro a um dos livros mais importantes sobre o brasileiro, que é a obra "O povo brasileiro" (1995), do antropólogo Darcy Ribeiro. Livro que irá abordará a formação a partir das suas matrizes fundadoras (tupi lusa e afro), da miscigenação que se inicia logo após o processo de dominação pelos portugueses e do encontro de vários povos que aqui chegam através do movimento de imigração.




Darcy Ribeiro, também fará uso de neologismo como "fazimento", "ninguendade", além da denúncia a um processo que, ao contrário do que se imagina, ocorre através de muita violência, como no caso da dizimação de milhões de índios, o cunhadismo que dava abertura a processo de violência e abuso contra mulheres índias, a escravidão, entre outros processos. 

Se nossa riqueza está na diversidade, por outro lado, ela não convive de maneira tranquila e sem problemas. Há ainda uma dificuldade de autoaceitação, assim como aceitação da nossa própria cultura, da diferenças que são frutos dessa diversidade.

Por hora, a música nos ajuda muito a pelos menos perceber o quão ricos somos e ainda não aproveitamos de fato. 

Viva Arnaldo Antunes! Viva Chico Science! Viva Darcy Ribeiro!

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