SMELLS LIKE A SUICIDE

     

  Era noite, lembro-me muito bem. Algo em torno das onze, sexta-feira, 08 de abril. Estava com meu primo na sala assistindo a MTV Brasil, como sempre fazíamos, quando de repente uma chamada interrompe a programação. Não sei ao certo se era um apresentador ou apresentadora, mas de forma bem direta anuncia que Kurt Cobain, líder da banda Nirvana fora encontrado morto em sua casa, em Seattle. 

  Seattle, onde toda onda grunge começou, Kurt Cobain foi o primeiro ídolo que pude ver a ascensão e queda. Porém, o susto inicial foi substituído por certa euforia. Afinal, parte dos meus ídolos havia morrido de forma trágica e com a mesma idade. Jim Morrison, Jimi Hendrix, Janis Joplin, entre outros. Havia o glamour de morrer jovem, de forma trágica e ser imortalizado. Não os imaginaria vivos e como rockstars decrépitos do mainstream. Por isso, a morte de Kurt Cobain trouxe certa admiração, ele teve uma coragem que nenhum outro teve, foi lá e acabou com a própria vida, mesmo rico, famoso, tocando para multidões. Numa atitude total de foda-se com o mundo e tudo mais. 

  Sem dúvida, uma atitude totalmente agressiva que só o líder de uma banda de rock poderia tomar, pois nenhum outro músico ou artista faria isso. E quando se é adolescente existe um flerte com a morte, porém, de forma romantizada. Ninguém quer morrer de verdade, mas todos querem sentir o prazer de cultuar um lado sombrio, uma obscuridade dos sentimentos, renegando a vida. Mas, não a vida propriamente dita, pois se assim fosse, amantes do rock cometeriam suicídio aos montes. Talvez, a morte nesse contexto apareça como uma forma de não aceitação dessa vida imposta, rotineira, padronizada, correta, sem sentido que, em si não é vida, pelo menos não para adolescente. A morte é como uma possibilidade de renascença para uma vida de fato, com possibilidades, desafios e realizações, distantes da vida adulta comum, com trabalho, carteira assinada, cartão de ponto, chefe chato, salário sofrido no final do mês e contas a pagar.

  Em 18 de maio de 2017 morre Chris Cornell, ex-líder da banda Soundgarden, novamente, suicídio. Da mesma forma que Nirvana, Alice in Chains, Pearl Jam, Mudhoney, entre tantas outras bandas, o Soundgarden formava a cena grunge, que foi a trilha sonora dos gloriosos anos noventa. A “cena”, essa era expressão para se referir a um conjunto de bandas de um mesmo estilo e que compunham um cenário onde, geralmente eram bandas amigas, com identidades e ligações em comum. Aqui no Brasil, a cena era do manguebeat em Recife e das bandas alternativas de São Paulo e Rio de Janeiro, que bebiam um pouco da água do grunge.

  Em julho do mesmo ano, Chester Bennigton, vocalista da banda Linkin Park é encontrado morto. Mais uma vez, suicídio. Não gostava de Linkin Park, tanto que fui num festival com várias bandas, onde eles fariam o encerramento. Eu estava com ela e não ficamos para ver, pois simplesmente não tinha o mínimo interesse. Mas, tanto o suicídio de Chester como o de Chris Cornell me deixou bem abalado, dessa vez, não era mais um adolescente que cultuava a morte como algo romântico, mas um sujeito que se reconhecia nesses personagens, que por algum instante sentiu e compreendeu a dor de cada um deles. Foi onde tive certeza que a depressão é democrática de certa forma, pois independe de status ou condição financeira. Todos os citados tinham tudo para ser vangloriar de suas posições, serem felizes e mostrar ao mundo isso, mas ao contrário, mostraram que certas condições não influenciam na dor interna que um sujeito em depressão sente.

 Ao saber da morte desses dois últimos, diferente do momento em que soube da morte de Kurt Cobain, o primeiro questionamento que me veio a mente foi o de que se eles fizeram isso, em algum momento chegaria minha vez. Não, e não tem nada de romântico nisso.

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