SILÊNCIO SUBLIME


CLEO CONSEGUE NOS EMOCIONA POR AQUILO QUE ELA NOS DIZ COM SEU SILÊNCIO, PELA EXCLUSÃO DA FALA DAQUELES QUE NÃO TEM SEQUER LUGAR DE FALA EM UMA SOCIEDADE DESIGUAL

Cleo, interpretada por Yalitza Aparicio
ROMA é sem dúvida uma obra-prima do cineasta Alfonso Cuarón, que consegue incluir uma série de temáticas a uma trama envolvente e comovente.

Misturando aspectos autobiográficos, crítica social e questões existências, Roma destaca-se logo de cara por sua estrela principal, Yalitza Aparicio, uma jovem de origem indígena que interpreta a empregada doméstica Cleo. Aos 25 anos, Yalitza nunca havia feito nenhum trabalho como atriz antes de Roma, porém, consegue com muito exito interpretar o papel principal, levando inclusive o idioma mixteca falado em Oaxaca, local onde nasceu a atriz.

O filme destaca-se por um desenvolvimento gradual dos personagens e de suas tramas, aliando, além dos registros autobiográficos do diretor (como já citado), a crítica social e um olhar sobre as relações humanas.

Porém, o ponto alto de todo o filme é o silêncio que toma conta da trama por meio de Cleo, jovem empregada de uma parte pobre da cidade e que, na sua condição subalterna, tem sua voz calada.

É nesse silêncio que conseguimos perceber sua sensibilidade, seus dramas e toda a beleza diante de um contexto social marcado pelas desigualdades sociais. Cleo é vítima do abuso dos empregadores, do namorado que a deixa grávida e de uma incerteza que pauta a trama diante do desespero de se ver na solidão.

Conseguimos sentir sua dor e suas angústias diante do silêncio e, quando ela finalmente consegue romper essa barreira, nos vemos diante de momentos marcantes que arrancam lágrimas.

Roma não tem excessos, tudo está em seu devido lugar, na justa medida. Mesmo quando Cuarón retrata o massacre de estudantes, ocorrido em 1971, toda a dramaticidade consegue nos levar a um dos eventos mais tristes da história do México, dando a dimensão do que foi o episódio.

Além disso, todos elementos simbólicos são muito bem colocados, como o barulho dos aviões que a toda hora faz parte das cenas, as fezes dos cachorros ao qual as empregadas têm que se ocupar de limpar, o drama da patroa que se vê sozinha com os filhos após o abandono do marido, a cena do parto de Cleo e, na minha opinião, o momento mais marcante, quando após seu momento de heroína confessa, não deseja a criança. Nesse momento Cleo chora e desabafa, solta o que estava na garganta durante todo o filme, como num pedido de socorro, um grito por existência.

Alfonso Cuarón consegue nos mostrar o quão sublime e poderoso é o silêncio, o quanto ele pode nos dizer, basta ter olhos e mente para escutar.

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