TAMBÉM MORRE QUEM ATIRA

     Porte de armas: quando as questões são mais importantes que as respostas


Sempre que uma lei, decreto ou medida do governo é implanta,  o debate público se faz importante para que todas as partes envolvidas possam ter uma representatividade nas decisões de um país, afinal, é necessário que todos pensem nos impactos que essas medidas terão a curto, médio e longo prazo.

Um dos erros comuns é achar que aquilo que é bom para o vizinho, consequentemente será bom para nós, ou seja, o que funciona lá, funcionaria também aqui. Errado!!!

Cada Estado possui sua estrutura, sua história, sua cultura, sua organização, por isso é fundamental pensar dentro de um contexto social específico para não incorrer ao erro de que "se algo funciona bem lá, aqui também vai funcionar". Nem sempre, caros leitores.

A PERGUNTAS SÃO MAIS IMPORTANTES


Dentro dessa questão, as perguntas são mais importantes do que as respostas, pois todo debate sobre qualquer tema tem em si o calor das emoções, onde cada grupo vai defender seu ponto de vista a partir de interesses que podem ser financeiros a emocionais.


Abaixo, irei abordar alguns tópicos importante em torno do decreto assinado pelo presidente Jair Messias Bolsonaro, que autoriza o porte e a posse de armas no Brasil.


PORQUE NÃO UMA CONSULTA PÚBLICA?

Uma pesquisa feita no mês de dezembro (2018),  pelo Instituto Datafolha, mostrou que 61% dos brasileiros consideram que a posse de armas é deve ser proibida, por representar ameaça à vida de outras pessoas.

Essa pesquisa é indicativa que a sociedade está dividida, então, nesse cenário o correto seria uma discussão mais ampla sobre a questão com direito a uma consulta pública, que pudesse dar à população o poder de opinar e até mesmo decidir sobre o tema.

Se de uma lado tem gente preocupada com essas medidas tomadas pelo governo, do outro lado, tem gente muito feliz com tudo isso, exemplo são os investidores da Taurus Armas, maior  fabricante de armas do país, que tem visto suas ações dispararem, apresentando saldos positivos, já de olho no mercado que irá se abrir com o decreto assinado.

ELES TÊM REPRESENTANTES

Aliás, não é novidade que congresso tem seus grupos formados e cada grupo representa interesses de grupos financeiros, a exemplo da famosa bancada da bala financiada pela própria Taurus Armas. 

Cerca de 70% dos candidatos a deputados federais receberam doações da indústria de armas, conseguindo se eleger para a Câmara dos Deputados. De 30 nomes que receberam doações, um total 21 saíram vitoriosos, e o total de doações foi em torno de 1,73 milhões. 

O que isso tudo nos diz?

Simples, que a urgência em aprovar tal decreto é patrocinada por setores de interesses que, diferente de nós pobres mortais, são bem representados no congresso. E como não existe almoço grátis, o investimento da Taurus  nos nossos deputados é para que isso gere um retorno prático em seguida.

Diante disso, já que há um conflito de opiniões, porque então o nosso presidente não abre o debate e faz uma consulta popular? 

QUE VIOLÊNCIA É ESSA QUE ESTAMOS COMBATENDO?

Outro ponto importante que precede o tema é a própria discussão sobre aquilo que chamamos de VIOLÊNCIA.

Isso mesmo queridxs!!!

O imaginário social tem como violência uma eterna luta maniqueísta, numa espécie ilusória da luta do bem contra o mal, onde a violência é tida como a do bandido malvado, que entra na casa do cidadão de bem, causando-lhe prejuízo. Nesse sentido, o cidadão de bem estaria ameaçados por bandidos que entram em suas casas, roubam seus pertences, botam em risco sua família e sua própria vida.

Sendo assim, o porte de arma seria uma defesa do cidadão de bem, que atestaria isso legalmente por meio de documentos e exames psicológicos, tendo o acesso às armas.

Primeiro ponto, não existe a construção ilusória do cidadão de bem!!! 





Outro ponto importante é que, no discurso do presidente, não são apresentados números da violência, que tipo de violência realmente mata, quem mata e por quê mata.



Simplesmente é apresentado um cenário de terror (e isso tem sua razão), para em seguida ser mostrada a solução mágica: as armas!


Temos que pensar que a violência é ampla e como fenômeno social, se apresenta das diversas formas. A sociedade brasileira é violenta, isso é fato. E essa violência está no ambiente doméstico, nos locais de trabalho, no trânsito, nas escolas, nos espaços públicos, enfim, a violência no Brasil é estrutural e está introjetada na nossa cultural, banalizando-se e, muitas vezes, naturalizando-se ao nosso cotidiano. 

Fazer e debater sobre a violência é fundamental, pois segundo a Atlas da Violência de 2018, cerca de 533 mil pessoas perderam a vida de forma violenta na última década aqui no Brasil.

Se consideramos que as principais vítimas são jovens, entre 15 e 29 anos, das regiões mais pobres do Brasil, temos um perfil de violência que muitas vezes não condiz com a realidade de determinados grupos sociais.

Além disso, não podemos esquecer da violência que mata mulheres todos dos dias, fazendo do Brasil campeão no número de feminicídios e daquela que atinge homossexuais, o que novamente nos coloca num ranking negativo. 

Sim, a violência tem nome, endereço e CPF, mora do nosso lado e convive com a gente. E na maior parte dos casos, é uma violência onde os atores sociais possuem algum laço de relação (parentes, amigos, cônjuges, namorados etc). Ela também afeta um grupo determinado, onde suas causas e efeitos varia de estado para estado e que com políticas públicas efetivas de segurança e prevenção poderiam diminuir.

QUANDO MAIS E MAIS É MENOS


Nesse cenário, onde muitos assassinatos ocorrem por armas de fogo, num país onde a população não têm acesso a arma de fogo, injetar mais armas de fogo resolve a questão?

NÃO!!!!

Se temos muitas armas de fogo circulando na sociedade, onde está a lógica de introjetar mais daquilo que nos causa tanto prejuízo?

A primeira medida a ser tomada nesse cenário seria o combate ao contrabando das armas de fogo ilegais no país, e isso significa prender aqueles que financiam tudo isso que é: o próprio Estado.

Isso mesmo, parte das armas de fogo que param na mão de bandidos, traficantes e toda a sorte de pessoas, são provenientes da facilidade que essas pessoas tem em acessar essas armas. E o crime organizado só se organizada com a ajuda do próprio Estado, não atoa, os envolvidos nesses contrabando são pessoas com influencia em setores do Estado. Veja os exemplos abaixo:


* Coronel do Exército preso em flagrante por vender 166 armas a clube ...

* Policial civil é preso por tráfico de armas, em Goiânia - Cidades - R7 ...

* Militares do Exército são presos acusados de tráfico de armas ...

* Polícia confirma que homem preso com 19 fuzis no Rio é militar do ...




Enfim, esses são alguns exemplos para ilustrar a questão de que, é necessário interromper as vias de contrabando de armas ilegais, antes de liberar mais armas.

QUEM NÃO QUISER NÃO COMPRA



Essa é outra falácia no caso da liberação de armas, por uma série de motivos.

Primeiro, a liberação virá de toda uma propagando maciça do consumo de armas, que como produto irá disputar lugar com a compra de carros, celulares caros e viagens para Miami. Afinal, o que a classe média não quer é ficar para trás e a Taurus não iria investir milhões na compra de deputados para não atingir em cheio a cabeça do consumidor.

Segundo, documentos no caso de armas de fogo não comprovam nada, pois num país onde o feminícidio é uma realidade, qualquer briga de casal em ambiente doméstico torna-se um risco. Da mesma forma, brigas entre vizinhos, sem falar nos acidentes de trânsito, onde a preocupação em saber se o outro está armado ou não será uma realidade. Na, dúvida, não seria bom levar sua arma no porta-luvas? E se o acidente for de madrugada, você com sua esposa e seus filhos, não é bom descer com a arma na cintura? Vai que o outro esteja armado.

E terrível isso, mas a galera do Porta do Fundos acertou em cheio na ironia quando assunto é o uso das armas legalizadas:




TRAGÉDIAS ANUNCIADAS



Sou professor há 14 anos, atuando em escolas públicas, particulares, já trabalhei em abrigos e com população vulnerável. A minha experiência pessoal e profissional não reflete uma realidade social total, apenas, a realidade com a qual eu convivo nesses 14 anos.

Sei que muitos pais não têm o devido controle da ação de seus filhos e posso dizer que não é por negligência não, pois jovens são astutos, espertos, ligeiros. E sempre nas reuniões eu repito o mantra: "pais, estudem sobre juventude, leiam, observem". Pois todo adolescente já enganou ou mentiu para os pais, inclusive você e eu.

A liberação do porte de armas trará mais riscos para dentro de ambientes vulneráveis como o ambiente escolar, onde por problemas variados jovens podem levar essas armas para dentro da sala de aula.

E quando tiver aquele clássico bonito do futebol nacional, juntando torcidas rivais? Será que o cidadão de bem, fanático por futebol, que fica agressivo quando o assunto é o parmera ou curintcha vai deixar a arma em casa? Mistério!

E no churrasco da família, quando o macho inseguro, porém cidadão de bem tiver com síndrome de Bentinho e, desconfiado que sua esposa está com um ilusório caso com o cunhado, será que a arma fica em casa?

E quando a bandidagem do bairro souber que você adquiriu aquela arma novinha em folha, que tá guardada no cofre de casa, conforme determina a lei. Será que a arma fica em casa?

E quando algum membro da família, no auge da depressão, tiver sobre efeitos daqueles depressivos fortíssimos e de umas doses de whisky  importado, pra onde vai a bala da tua arma legalizada?

Comentários