QUEBREM AS MÁQUINAS: POR UMA EDUCAÇÃO DESCONECTADA

Esse não é um texto com pretensões acadêmicas, mas uma reflexão empírica sobre a educação em tempos de pandemia e toda a apoteose em torno das facilidades proporcionadas pelas novas tecnologias da informação e comunicação.


No cargo de coordenação de uma escola pública estadual, localizada na zona leste de São Paulo, venho presenciando desde o ano passado muitas mudanças no cenário educacional. Todas elas aceleradas devido a pandemia, onde governo do estado de São Paulo fez da Secretraria da Educação um verdadeiro campo de testes para empresas, corporações e associações privadas começarem a implantação da terceirização completa e do sucateamento do ensino público.

Sim, é certo que medidas deveriam ser tomadas e foram tomadas ao longo desse dois anos de caos no Brasil. Repostas deveriam ser dadas, porém, é possível perceber que o governo do estado de São Paulo iniciou um plano radical de transformar a educação pública num projeto de educação a distância e apostando que a tecnologia por si só resolverá tudo.

O cenário que temos hoje é de professores(as) e equipes exaustos(as); a função do educador(a) reduzida a mero tutor(a) e controlador(a); assédio moral; trabalho exaustivo em tempo integral; exclusão digital de alunos e profissionais da educação; redução radical no investimento aos profissionais; e, gasto excessivo de equipamentos sem o devido planejamento e diálogo com profissionais da educação.

Em minha dissertação de mestrado intitulada "Escola e redes sociais: diálogos possíveis, saberes e inversões" (SANTOS, 2015), defendida em 2015, cheguei à conclusão que atrás do sucesso na utilização das novas tecnologias da informação e comunicação, estava a profissional e o profissional da educação. A utilização das tecnologias com sucesso era apenas um complemento ao trabalho que era desenvolvido offline por professores(as), diretores(as) e demais profissionais.

Em determinado trecho, saliento que:


"Foi possível verificar, ao longo das postagens de textos, imagens, fotos e arquivos é que a relação face a face ainda é o elemento central para o desenvolvimento da relação professor/aluno e que o diálogo no interior do espaço online necessita ainda do dialogia presente no espaço oof-line, necessita do encontro real e naõ apenas virtual das pessoas. A apropriação tanto de alunos como de professores dessa ferramenta virtual é outro importante, pois, sem isso, a presença nas redes sociais de Internet e as possibilidades que elas trazem, pode ficar restrita a apenas alguns atores sociais" (SANTOS, 2015, pág. 124)

Não podemos deixar de ter em mente que a educação se faz no chão da escola, nos processos de encontros e desencontros, nas descobertas, nos conflitos, nas amizades, nos eventos e em todo o campo de possibilidades que a somente a cultura escolar instalada na própria instituição pode proporcionar.

Nesse sentido, o grande trabalho que profissionais da educação terão em um cenário pós-pandemia é o de recuperar o papel e a importância do espaço escolar. Como já não bastasse viver em um país onde a educação nunca foi prioridade e, como diria Darcy Ribeiro, sua crise sempre foi um projeto, educadoras e educadores terão, mais do que nunca, ter uma consciência política das condições que o cercam.


INTERESSESSE ECONÔMICOS DISFARÇADOS DE INTERESSE EDUCACIONAIS

Se o ano de 2020 foi trágico para educadoras e educadores, para estudantes e as escolas fechadas simbolizou um momento triste no cenário da pandemia, ao contrário, as grandes empresas de tecnologia como Google, Microsoft, seguidas da Apple e Amanzon tiveram motivos de sobra para sorrir. Com faturamento recorde, a empresas de tecnologia não tiveram tempo e motivos para chorar.

Aqui em São Paulo, as empresas que estão apostando em tecnologia para a área da educação estão no mesmo caminho. Afinal, como exposto logo acima, com a implantação de toda a parafernália tecnológica nas escolas, o que temos é um verdadeiro festival de licitações, compras e aquisições. Da implantação de novos aplicativos e plataformas. Tudo isso com a promessa de fazer mais e melhor para educação. Mas, será que podemos esperar isso mesmo?


Nesse festival todo de promessas, nós da educação devemos ficar de olhos bem abertos, pois quem determinas as tecnologias, determinará o que deveremos ensinar, aprender. Determinará os currículos e todos os caminhos seguidos até então, afinal, de uma maneira ou de outra, todos os caminhos levarão a um único destino: a preparação de atores sociais integrados a uma realidade social, incapazes de compreender o que está por trás dessas novas tecnologias e adestrado para o consumo.

Acredito que, isso que devemos ter em mente. Um letramento digital da sociedade não pode passar por cima do letramente do fato, da leitura de mundo (Paulo Freire) e do desenvolvimento da capacidade de observar, pensar, refletir e dialogar com o mundo. A pressa e toda a dinâmica acelarada da tecnologia é a antítese de todo esse processo de formação do conhecimento. Uma aposta cega na ideologia tecnológica, é apenas uma forma de sermos coniventes com uma educação inculcadora de projetos políticos e econômicos que acontecem à nossa revelia.

Nesse sentido, Green e Bigum (2009), são bem radicais em afirmar que:

"...à medida que a casa, o carro e os próprios indivíduos são cada vez mais tratados como consumidores de produtos high tech, as escolas tederão a participar cada vez menos da ecologia diital externa, tornando-se, afinal, realmente extintas".


Com as devidas ressalvas, é impossível não relacionar essa reflexão com o projeto oculto do governo do estado de São Paulo em oferecer um ensino médio a distância. O que significaria uma exclusão maior e um sucateamento do papel da escola. Ainda na pesquisa que realizei, destaco um alerta de Libâneo (2009) sobre a "pressão de instituir as novas tecnologias na dinâmica e no curriculo escolar, [que] são direcionadas à primaia dos interesses econômicos e empresariais em detrimento do compromisso com uma educação democratizando, voltada para a formação do sujeito ético e moral".


PARA CONCLUIR

Pode parecer muita desconfiança e até mesmo uma crítica muito severa, pensando que isso parte de alguém que é entusiasta e usuário contumaz das novas tecnologias. Por isso mesmo, acredito que o papel da educação é, sobretudo, ensinar a enxegar todo esse processo de maneira muito crítica, formando sujeitos conscientes de todos os processos que envolvem essa tecnologização da sociedade.


Sobretudo em um país que poucos conseguem perceber o real do ilusório, onde nossa política é dominada por fake news e a uberização do trabalho empurra milhões para a informalidade (somente para citar alguns exemplos), o papel da escola e da educação deve ser o de formar sujeitos pensantes e atuantes, começando por nós profissionais da educação.

BIBLIOGRAFIA

GREEN, Bill e BIGUM, Chris. Alienígenas na sala de aula. In: Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Tomas Tadeu da Silva (org). Petrópolis: Vozes, 2009.


LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 2009.


SANTOS, Alexandre Ramos dos. Escola e redes sociais: diálogos possíveis, saberes e inversões. Universidade de São Paulo (2015). Link:


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