CINEMA, SURREALISMO E PSICANÁLISE EM BUÑUEL

Um cão andaluz (Un chien andalou, 1929), obra de estreia de Luis Buñuel

A relação entre cinema e psicanálise encontram como ponto fulcral os diálogos tecidos com a cultural, pois é fato de que, o cinema como arte é primordialmente a antena que capta e transmite as inquietudes e transformações sociais. Quanto à psicanálise, digamos que é um processo de diálogo com as representações mentais do inconsciente de um sujeito social e, portanto, sujeito da cultura.

Em alguns momentos esse encontro entre cinema e psicanálise provocam uma sintonia única, como no caso da obra prima estreada pelo até então jovem cineasta espanhol, que mais tarde se radicou no México, Luis Buñuel Pontes (Luis Buñuel). Estamos falando do curta-metragem Um cão andaluz (Un chien andalou), lançado em 1929, criado em parceria com ninguém menos que Salvador Dalí, um dos nomes mais marcantes do surrealismo.

Nesse caso temos uma confluência de movimentos interessantes, o surrealismo enquanto movimento artístico que mostra um claro diálogo com o conceito de inconsciente trabalhado por Sigmund Freud e o cinema proposto por Buñuel que irá beber dessas duas fontes.

Aliás, Luis Buñuel nasce no mesmo ano de lançamento do livro que marcaria um ponto importante para a Freud e sua psicanálise. O livro A interpretação dos sonhos, estrategicamente lançado em 1900, mesmo ano de nascimento do diretor espanhol, mostra a importância dos sonhos para acessar os conteúdos do inconsciente.  


UM CÃO ANDALUZ, UMA CURTA VIAGEM AO SURREALISMO 

Salvador Dalí (a direita), que escreveu o roteiro junto com Buñuel, em uma cena do filme 

Um cão andaluz, gravado na França, dirigido por Luis Bruñel, que contou no roteiro com a pareceria de Salvador Dalí, tem pouco mais de 20 minutos de cenas desconexas, impressionantes e que despertam a curiosidade e repulsa no telespectador. Propositalmente, a experiência ao qual Buñuel no leva é de um sonho intranquilo com visões de imagens condensadas, desordenadas e inquietantes, numa espécie de representação do mundo onírico ao qual Freud se dedicou em estudar em sua obra A interpretação dos sonhos.

A estética surrealista consegue fornecer elementos para esse diálogo com a psicanálise, mostra cenas sem uma narrativa linear, que provoca por meio da violência repulsa mas, ao mesmo tempo, um interesse e, por que não dizer, o gozo satisfatório de um prazer quase sádico. Como na famosa cena  do homem (o próprio Buñuel) que corta o olho de uma mulher. Ao longo do filme é possível ver a crítica à repressão instituída na sociedade aos impulsos sexuais, por meio da figura do padre (Salvador Dalí), dos flertes que não chegam às vias de fato em cenas que sugerem as pulsões sexuais latentes.

O cinema proposto por Buñuel após sua estreia com Um cão andaluz, seguirá fiel em incomodar, por meio de críticas à sociedade e cultura do seu tempo. Novamente, temos uma outra coincidência com o pai da psicanálise. No mesmo ano temos o lançamento  Mal-estar na Civilização ou O Mal-estar na Cultura (Das Unbehagen in der Kultur), onde Freud nos mostrará que parte da fonte de infelicidade dos sujeitos e de suas repressões residirá no antagonismo entre cultura e os instintos e toda a repressão causado no indivíduo. Muitas imagens de nossos sonhos escondem os nossos desejos reprimidos, manifestando-se em imagens condensadas, donde por meio da associação livre e da elaboração desses sonhos por meio da fala é que podemos dar significado a essas imagens.

Filme importante para o cinema, Um cão andaluz é um marco no cinema, onde Luis Buñuel entrega logo de cara o que viria pela frente com suas demais obras primas. 


Comentários