POR UMA FILOSOFIA DA MORTE


Essa semana assisti ao capítulo final da série The Good Place, criada por Michael Schur. Com quatro temporadas, a série vai na contramão de empreitadas que muitas vezes pecam por se arrastar além da conta. 

The Good Place é na medida certa, não só pela quantidade, mas pela qualidade. Por ser propor a um assunto tão complexo envolvendo questões sobre a vida e a morte, ela consegue abordar o tema de forma suave e, principalmente, consegue o feito de mostrar uma visão universal do tema, conseguindo de forma espetacular fugir das visões restritas religiosas.

A trama permite um envolvimento com os personagens, que ao longo da história se transformam e, talvez, o grande barato é perceber como isso vai se durante as quatro temporadas.

Porém, indo direto ao ponto, o episódio final conseguiu o que muita série não consegue, ter um desfecho perfeito e com possibilidades de muitas reflexões.

O LUGAR BOM?


Para os não iniciados, a série gira em torno da protagonista, Eleanor Shellstrop, uma pessoa egoísta, arrogante, fria e gananciosa que, surpreendentemente ao morrer, vai para o "lugar bom". Lá ela encontra o filósofo indeciso Chidi, com quem ao longo da trama forma um par romântico com Eleanor; a socialite amargurada e superficial Tahani; e o malando ingênuo e atrapalhado Jason. Todos eles estão sobre a vigilância de Michael, o arquiteto do "lugar bom" e da cativante assistente Janet.

Acontece que o lugar bom, não é tão bom assim. Na verdade é uma versão ilusória criado pelos agentes do lugar mal para torturar os personagens.

A trama fica interessante quando a sagaz Eleanor descobre a farsa e em virtude disso, Michael é obrigado a reiniciar o experimento que vai ser repetindo sem sucesso. Até que convencido da derrota, decide juntar-se às quatro figuras centrais para ajudá-los na conquista por uma vaga no lugar bom.

TODOS PODEMOS MELHORAR


É nesse ponto que a série nos permite uma série de lições valiosas, entre elas a de que todos nós podemos a cada dia melhorar. Isso ocorre pelo fato de que no desejo de chegar ao lugar bom, os personagens se esforçam para serem pessoas melhores, enfrentando seus medos, traumas, aceitando suas imperfeições e tudo isso num processo de ajuda mútua.

A série pode não ser uma das melhores e, com certeza, não agradará aos intelectuais de plantão. Isso porque ela se propõe a debater questões filosóficas, mas de forma muito simples, fluída e tranquila.

Numa era de excessos, seu ponto máximo é de trabalhar as questões sobre a vida e a morte sempre de um ponto de vista ético, moral e filosófico. Por isso, não aparece questões e conceitos como reencarnação, alma, Deus, Diabo e todos elementos que afastaria um público religioso ou que renderia críticas e comparações.

As pessoas que aparecem no lugar bom ou lugar mal são na verdade, uma continuação da vida na Terra, tanto é que elas passam o tempo todo com a mesma aparência e ambos os lugares possuem os mesmo elementos aqui existentes.

MONTAIGNE E A MEDITAÇÃO SOBRE A MORTE


O últimos capítulos da série foram emocionantes e com um final perfeito. Algo que série como Friends e outras, não deram conta.

Nossos personagens finalmente chegam ao tão merecido lugar bom, porém, descobrem que a perfeição do lugar se torna uma tortura, onde as pessoas ficam entendiadas e as experiências de tão perfeitas tornam-se sem sentido. Reforçando a ideia freudiana de que quando encontramos a perfeição, encontramos a morte. Não há vida ou experiência que mereça ser vivida, pois ela não possui o elemento do seu sentido.

Diante disso a trama tem uma reviravolta, onde os personagens reconstroem o lugar bom a partir de uma nova lógica. Nela, os personagens termina possibilidade de partir, através de um portal, para um futuro definitivo, porém incerto. Em linhas gerais, a morte absoluta.

Nesse ponto, o desfecho é maravilhoso, pois após passar muito tempo no lugar bom, os personagens decidem cada um em seu momento a hora da partida.

A forma como encaram o momento é no mínimo bonita, pois sem maiores alarde e da forma mais tranquila e serena possível anunciam a decisão.

Em seu ensaio sobre a morte, o filósofo francês Michel Montaigne aponta justamente isso, que meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade. 

Encarar a morte, segundo o filósofo, pensar o mundo de forma contemplativa, reflexiva e filosófica. Diante disso, adiar o momento ou tentar prolongar a vida é uma forma de estender o sofrimento. Ao contrário, quando de fato pensamos a morte e nos resolvemos com isso, é possível alcançar a plenitude de uma vida bem vivida e no seu devido tempo.

Assim acontece com Jason, o malandro atrapalhando e o primeiro a tomar essa decisão. Ao longo da trama, sempre envolto numa postura superficial e infantil, mostra no final uma atitude madura em perceber que chegara o momento. Porém, não foi de fato o primeiro. Quando Chidi decide partir, percebemos que Jason havia ficado durante vários Jeremy Bearimy (uma contagem maluca na série para o tempo) a espera de Janet para lhe entregar o colar de presente. Nesse instante, percebemos que Jason ficou muito tempo na floresta meditando e, assim que reencontra Janet, lhe entrega o colar e parte. Jason alcança seu nirvana.

Tahani, tempos depois, toma a decisão de partir, porém, sentindo-se incompleta mesmo redimindo-se com seus pais e sua irmã, percebe que poderia fazer algo mais pelas pessoas. Então, Michael lhe dá a oportunidade de se estagiaria no setor que arquiteta novos espaços para receber as pessoas no lugar bom. 

A despedida mais emocionante fica por conta do filósofo Chidi, que não manifesta a decisão logo de cara. Essa é revelada por Eleanor, que faz de tudo para mantê-lo no lugar bom junto com ela, porém, logo percebe que essa era um decisão egoísta. Decide deixá-lo ir embora.

Por fim, Eleanor, toma sua decisão tempos depois, mas não sem antes fazer sua última boa ação. Ao atravessar o portal ela se transforma numa espécie de poeira cósmica, junta-se ao universo. As partículas do que poderíamos chamar de seu ser permanece flutuando na Terra e sua bondade contamina os que estão aqui, mostrando que mesmo após a partida, a energia deixada continua fluindo.

Se é o final perfeito, eu não sei, mas que em tempos de religiosidade cega, The Good Place se mostrou fundamental para pensarmos a vida e a morte sem os excessos que tanto prejudicam a nossa existência.

(TEXTO INCOMPLETO)

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