LADY BIRD E O SONHO MÉDIO

GRETA GREWING E SUA CAPACIDADE DE EXPLORAR A VIDA COTIDIANA EM SUA COMPLEXIDADE SIMPLES

Cristine "Lady Bird" MacPherson interpretado por Saoirse Ronan

Ao assistir Lady Bird - A hora de voar (2018), com o roteiro e direção da diretora Greta Gerwig, nos deparamos com uma trama a primeira vista comum, mas que tem como mérito um filme na mediade certa. O equilíbrio na narrativa, sem um ponto central ou uma trama que prenda o espectador(a) é o que cativa, pois poderia ser a história de qualquer adolescente que conhecemos, em seus dramas típicos. 

Antes, um parênteses, Greta Gerwig foi co-roteirista do filme Francis Ha, filme de 2012 onde é a atriz principal de um roteiro que remete um pouco da sua vida pessoal. Quem assistir Frances Ha conseguirá perceber que, a simplicidade da vida cotidiana de personagens em suas situações é o ponto-chave para essa talentosa escritora, atriz e diretora. Outro detalhe importante, tanto Frances Ha como Lady Bird, captam elementos da vida de Gerwig, como o fato dela viver em Sacramento (Califórnia), da mãe ser enfermeira, o pai ser um consultor financeiro e programador, os estudos num colégio católico e o fato de ter estudado Artes em Nova York. Resumindo, Cristine "Lady bird" McPherson é muito sobre as percepções da já adulta Greta Gerwig sobre sua adolescência.


O NARCISISMO JUVENIL


O conflito mãe-filha determina parte do enredo


Cristine "lady bird" McPherson é uma jovem de 17 anos, que vive na pequena cidade de Sacramento (Califórnia) e estuda em um colégio católico, onde o grande drama da adolescente é sobre seu futuro na universidade. 

O filme mostra a insatisfação da jovem em pensar na possibilidade de estudar numa universidade próxima de sua cidade, pois seu sonho é ir para Nova York ou qualquer cidade distante, longe da vida pacata de Sacramento e sua vida comum.

Acontece que nesse contexto, Cristine apresenta um comportamento típico do jovem narcisista, onde o amor próprio e a energia psiquíca volta-se para o próprio indivíduo, numa espécie de egocentrismo infantil, onde o mundo gira em torno de si.

Esse comportamento irá pautar a relação com os outros personagens do filme, principalmente com sua mãe, onde temos um destaque na atuação. Os conflitos desenvolvidos entre a filha e sua genitora estabelecem o ponto alto em muitos momentos, além disso, é um filme que vai abordar esses conflitos a partir do universo feminino. Aliás, todo o filme é a partir do olhar feminino, onde os homens desenvolvem papéis secundários. 

Marion, mãe de Lady Bird, tenta a todo momento conter os impulsos narcisísticos da filha ao mesmo tempo que tenta protege-la. E, justamente pelo fato da personagem ter um temperamento forte, algo de semelhante com a própria mãe, é que os conflitos surgem.

No geral, percebemos que Cristine McPherson é uma jovem comum, sem muitos talentos ou nada que a destaque dos demais personagens ou da vida comum de qualquer jovem. Porém, a protagonista não percebe essa condição, a começar por atribuir a si um codinome, algo que lhe dê uma nova identidade. Algo típico na construção do ser adolescente, a busca constante pela identidade. 

Nessa busca narcisística por uma identidade e um destaque, a personagem se insere em diversas situações, como entrar para o grupo de teatro mesmo sem ter muita habilidade. E, buscar a inserção em novos grupos de amizades, deixando de lado a melhor amiga, numa espécie de negação da sua realidade. 

Essa busca incessante por uma identidade de destaque a leva para algumas atitudes que apresentam falhas de caráter, algo também típico na construção de qualquer adolescente, como roubar o diário do professor de Matemática para obter uma avalição melhor, mentir sobre o local de moradia para a nova "amiga" e furtar revistas no supermercado. 

Lady Bird vai tropeçando nas trajetórias e escolhas, sem perceber que ao seu redor outras pessoas estão vivendo seus dramas (alguns inclusives dariam um bom roteiro), como o do primeiro namorado que se descobre homossexual, do pai que sofre em silêncio de depressão, do padre que padece do mesmo problema e, por fim, da amiga Julie que tem sua estória ocultada, mas que no final do filme nos mostra um drama que não é aprofundado

Tudo gira em torno de Cristine e ela é o centro, na constante rejeição à sua cidade natal, suas raízes, pois ela está envolvida em um narcisismo adolescente. 

Porém, sempre carregamos aquilo que rejeitamos e, assim como no poema de Drummond sobre sua relação com a pequena Itabira, a protagonista desse filme belíssimo também mostra toda a relação introjetada, e por isso mesmo rejeitada, com a pequena Sacramento e seus personagens. 


A VIDA MÉDIA DO ESTADUNIDENSE 

No meio dos caos das tensões políticas e assistindo a esse filme em meio às discussões sobre as privatizações no Brasil, algo que vem me chamando muita a atenção são as questões da vida privada que envolve o cotidiano.

Sim, porque uma das tramas no filme são as dúvidas e inseguranças dos pais de Lady Bird em garantir à filha o ensino superior. Isso porque nos vemos numa realidade que, felizmente, não faz parte da nossa política educacional de modo geral, como o alto custo de se manter um jovem em universidade nos EUA, algo que requer a poupança de uma vida de trabalho quase toda, que envolve refinanciamento de moradia. 

Outro ponto, o sucateamento dos serviços públicos, tidos lá como algo inferior e de péssima qualidade, logicamente, em benefício de um ensino privado. É possivel perceber essas questões em muitos diálogos ao longo da trama.  

Esse drama não aparece apenas em Lady Bird, mas em muitos filmes estadunidenses e não se limita apenas às questões da educação. 

Hipoteca da casa, obsolecência dos trabalhadores, divídas acumuladas, jornadas de trabalho exautivas e, um outro ponto que me chamou atenção, a construção a partir de uma lógica do consumo. 

Cenas como a do pai indo ao banco para refinanciar a divída da casa para pagar a universidade da filha; a mãe sobrecarregada por fazer horas extras e arcar com os custos da família; a depressão do pai causada sobretudo pelo desemprego e por uma sensação de inutilidade determinada numa sociedade onde a juventude tem valor supremo; os diálogos, não por acaso, em cenas de consumo, onde os conflitos giram em torno do ter; e, por fim, o drama de uma família mediana que vive em atrito com sua condição e posição na sociedade. Esses são elementos de uma vida pautada pelo consumo constante, onde a própria significação da juventude aparece nesses símbolos. A protagonista não se aceita e não aceita essa condição, por isso sua luta por sair daquele local.  

Em resumo, Lady Bird - A hora de voar é um filme que possui na sua simplicidade toda uma complexidade que vale a pena ser explorada. 

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